Grandes empresas têm obtido vitórias no Judiciário contra a lei sancionada pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) que excluiu o ICMS, tributo estadual, da base de cálculo dos créditos para abatimento das contribuições federais PIS/Cofins.

A controvérsia está ligada à chamada “tese do século”, e a expectativa de tributaristas é que a disputa se desenrole por diversas instâncias até chegar novamente ao STF (Supremo Tribunal Federal).

A lei sancionada em maio faz parte do pacote de ajuste fiscal anunciado em janeiro pelo Ministério da Fazenda, que projetava com a medida arrecadação adicional de R$ 32 bilhões em sete meses para 2023. A projeção para o Orçamento de 2024 é uma receita de R$ 58 bilhões.

Em menos de três meses da vigência da lei, contribuintes obtiveram cerca de dez decisões liminares (provisórias) em primeira e segunda instâncias para suspender temporariamente a aplicação da mudança no cálculo. Alguns tribunais, no entanto, têm negado os pedidos dos contribuintes.

No entendimento do Ministério da Fazenda, se o PIS/Cofins não pode incidir sobre o ICMS para fins de arrecadação federal, conforme definido pelo STF na tese do século, os créditos das contribuições gerados pela aquisição de insumos também não podem ser computados dessa forma.

Na exposição de motivos da medida provisória que tratou do tema, o governo argumenta ainda que, caso persista a inclusão, pode haver acúmulo de créditos por parte dos contribuintes, causando esvaziamento na arrecadação das contribuições destinadas à seguridade social.

Embora o raciocínio faça sentido do ponto de vista econômico, tributaristas dizem que há entraves jurídicos a esse entendimento e que a nova legislação é inconstitucional. A forma como ocorreu a tramitação da MP que deu origem à lei também é questionada.

Em uma ação movida pelo escritório Henares Advogados, uma empresa do setor metalúrgico obteve em primeira instância decisão liminar para que os tributos sejam recolhidos como se fazia antes da edição da Lei 14.952/23.

O escritório Demarest Advogados tem cerca de 30 ações sobre o tema e obteve cerca de 10 decisões favoráveis aos contribuintes, incluindo setores como agronegócio, telecomunicações e industrial.

A PGFN (Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional) afirma que a discussão envolvendo o tema tem sido recorrente nos tribunais, e que não se pode falar na existência de posição consolidada no momento.

“É de se destacar que foram concedidas inúmeras decisões favoráveis à Fazenda Nacional”, diz a instituição, destacando o posicionamento de segunda instância dos TRFs da 2ª e 3ª região.

“Em relação às decisões desfavoráveis, a PGFN informa que vem apresentando os recursos cabíveis e confia fortemente na sua reversão nos tribunais.”

Um dos principais argumentos usados por advogados é que a nova legislação fere as regras de não cumulatividade do PIS/Cofins, pois o crédito não precisa estar necessariamente ligado à contribuição efetivamente recolhida na fase anterior da produção, como ocorre nas aquisições de fornecedores que estão no Simples ou no lucro presumido.

Além disso, segundo tributaristas, o fato de o ICMS não ser uma receita do fornecedor (e por isso o PIS/Cofins não pode incidir sobre esse imposto), não significa que não seja despesa para o comprador.

“O argumento que a gente tem visto ser mais acolhido é que do julgamento do tema 69 [tese do século no STF] não se deduz automaticamente a restrição ao crédito. O STF falou de receita, e a discussão que a gente tem aqui é de despesa. São coisas diferentes”, afirma Maurício Barros, sócio da área tributária do Demarest Advogados.

O tributarista Halley Henares Neto afirma que o Supremo decidiu que o ICMS não compõe a base de cálculo do PIS/Cofins porque não pode ter tributo sobre tributo no momento em que a empresa faz a venda da mercadoria. Ou seja, o imposto não pode ser tributado como se fosse receita.

Segundo ele, a discussão neste caso é diferente, porque quando a empresa adquire matéria-prima e insumo, ela não está discutindo o conceito de receita, mas o conceito de não cumulatividade.

Os contribuintes também questionam o rito de tramitação das novas regras no Congresso.

A Lei 14.592/23 teve origem em uma medida provisória editada no governo passado e que inicialmente tratava de benefícios ao setor de eventos e empresas aéreas.

As mudanças no PIS/Cofins eram parte de outra MP, editada pelo governo Lula, mas foram incorporadas ao texto que estava no Congresso desde 2022. Por isso, advogados têm argumentado que se trata de um “jabuti” ou “contrabando legislativo”.

O governo tentou fazer algo semelhante para unificar a MP da tributação de investimentos no exterior à do salário mínimo, mas recuou após pressão de congressistas.

A PGFN entende que, com base na jurisprudência do STF, os artigos da lei que tratam do tema redimensionaram não só a base de cálculo das contribuições sob a ótica da cobrança do tributo mas também do ponto de vista da higidez da técnica de não cumulatividade e do equilíbrio orçamentário da seguridade social, com a exclusão da possibilidade de descontar créditos calculados em relação ao ICMS que tenha incidido na operação de aquisição, sem que haja qualquer lesão ao princípio da legalidade.

Marcelo Salles Annunziata, sócio da área tributária do Demarest Advogados que atua em alguns desses casos, afirma que o assunto deve chegar aos tribunais superiores para que haja uma unificação do entendimento sobre a questão.

“Pode ser uma discussão que vai durar bastante tempo no Judiciário, possivelmente chegando ao Supremo, para analisar esses aspectos constitucionais. Alguns até comparam com uma nova tese do século”, afirma Annunziata.

 

Foto: Marcelo Casal Júnior / Agência Brasil

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