Crise no mercado de trabalho faz jovens chineses se tornarem “filhos em tempo integral”
Exausta pela pressão para ter sucesso como fotógrafa, Litsky Li aceitou uma oferta melhor: deixar o trabalho para se tornar uma das crescentes legiões de filhos pagos por suas famílias para ficar em casa.
Li, 21, agora passa seus dias fazendo compras para sua família na cidade central de Luoyang e cuidando de sua avó, que tem demência. Seus pais pagam a ela um salário de 6.000 yuans (perto de R$ 4 mil) por mês, o que é considerado um bom salário de classe média em sua área.
“A razão pela qual estou em casa é porque não suporto a pressão de ir à escola ou ao trabalho”, conta Li, que se formou no ensino médio.
“Não quero competir intensamente com meus colegas. Então, eu escolho ‘deitar’ completamente”, disse, usando uma frase popular que se refere a evitar horas cansativas e valores familiares tradicionais em favor de uma vida mais simples.
“Não preciso necessariamente de um emprego mais bem pago ou de uma vida melhor”, acrescentou.
Li não está sozinha. E não é apenas a insatisfação que impulsiona o fenômeno de “filhos e filhas em tempo integral”, um rótulo que apareceu pela primeira vez no popular site de mídia social chinês Douban no final do ano passado.
A maioria das dezenas de milhares de jovens que se identificam como tal nas mídias sociais dizem que estão voltando para casa porque simplesmente não conseguem trabalho.
A taxa de desemprego para a faixa etária entre 16 a 24 anos em áreas urbanas atingiu 21,3% no mês passado, um recorde.
O desemprego juvenil juntou-se a uma série de ventos contrários – consumo doméstico morno, um recuo da indústria privada e um mercado imobiliário em dificuldades – tornando-se um grande problema para a China, à medida que a recuperação pós-Covid do país fracassa.
E o problema pode ser muito maior do que os dados oficiais sugerem.
Zhang Dandan, professor associado da Universidade de Pequim, escreveu em um artigo de opinião na semana passada para a agência de notícias Caixin que se 16 milhões de jovens “deitados” em casa ou contando com seus pais fossem incluídos e, portanto, não procurando ativamente por trabalho, a verdadeira taxa de desemprego para eles poderia ter chegado a 46,5% em março.
Uma tendência crescente
Em Douban, cerca de 4.000 membros de um grupo chamado “centro de comunicação de trabalho de filhos em tempo integral” discutem tópicos relacionados a suas vidas diárias de “trabalho”.
A palavra da moda se espalhou para outras plataformas de mídia social. Em Xiaohongshu, a plataforma de compartilhamento de estilo de vida mais popular da China entre os jovens, existem atualmente mais de 40 mil postagens sob a hashtag “filhos e filhas em tempo integral”.
Principalmente na faixa dos 20 anos, eles dizem que são diferentes de “ken lao zu”, que se traduz aproximadamente como “a geração que come o velho”, um fenômeno anterior popular entre os nascidos na década de 1980.
Essa geração de 30 e poucos anos estudou e se esforçou muito para progredir em suas carreiras e, muitas vezes, fazem pouco em casa, apesar de contar com a ajuda da família para pagar o aluguel e outras despesas.
Em contraste, os filhos “profissionais” de hoje passam tempo com os pais e fazem tarefas domésticas em troca de apoio financeiro.
“Se você olhar para nós de uma perspectiva diferente, não somos diferentes dos jovens que têm um emprego”, disse Li, cuja família a apoiou sua decisão.
“Eles vão trabalhar nas cidades e ganham um salário mensal de 3.000 a 4.000 yuans (R$ 1.974 a R$ 2.631). Mas eles não conseguem se sustentar de jeito nenhum. Eles ainda comem na casa dos pais, moram com eles ou fazem com que eles paguem seus apartamentos ou carros. Suas despesas de vida são parcialmente pagas pelos pais”, disse ela.
Os sociólogos dizem que as experiências traumáticas da China com medidas estritas na pandemia contribuíram para o número de jovens que repensam radicalmente seus objetivos de vida e os pais os apoiam.
“Mental e psicologicamente, as pessoas na China continental ainda estão se recuperando da pandemia de Covid-19”, disse Fang Xu, professor da Universidade da Califórnia em Berkeley.
“Acredito que o desejo de passar um tempo de qualidade com seus entes queridos, a contemplação sobre o sentido da vida ou quais são as coisas mais importantes da vida ainda perdura”, explica.
Oportunidades reduzidas, competição furiosa
A tendência dos “filhos profissionais” também é um sinal de que os jovens estão enfrentando oportunidades cada vez menores em uma economia que já avançou por décadas, enriquecendo as gerações que agora sustentam seus filhos.
Após uma explosão inicial de atividade no início deste ano, a recuperação econômica da China desacelerou e a confiança empresarial continua fraca.
O setor privado, a espinha dorsal da economia e a maior fonte de empregos, foi atingido por uma ampla repressão regulatória desde o final de 2020.
Nancy Chen, uma “filha em tempo integral” na província oriental de Jiangxi, foi afetada pela campanha.
A jovem de 24 anos lecionava em uma escola particular de reforço depois de se formar na faculdade, mas perdeu o emprego em 2021, quando as autoridades proibiram os serviços de reforço com fins lucrativos.
Além de seus deveres familiares, ela está ocupada se candidatando a empregos públicos e fazendo exames para a pós-graduação.
Chen diz que ainda não conseguiu nada por causa da “competição furiosa”. Houve 30 mil candidatos para três vagas de emprego recentes em um governo municipal em sua província, acrescentou.
“Mas não posso ser [uma filha em tempo integral] por muito tempo”, disse. “Preciso passar nos exames ou encontrar um emprego. Caso contrário, terei ansiedade.”
Não é uma solução
Ya-wen Lei, professora de sociologia na Universidade de Harvard, disse que espera que o fenômeno das crianças profissionais não dure muito.
“O apoio que recebem de seus pais neste contexto não é surpreendente, já que muitos pais chineses ajudam seus filhos em vários aspectos da vida, como moradia, despesas de casamento e cuidados infantis”, explicou ela, acrescentando que a maioria dos jovens provavelmente conseguirá um trabalho.
Também não é uma solução viável para o problema de empregos na China, disse George Magnus, pesquisador associado do China Center da Universidade de Oxford e da SOAS University of London.
“Pode ser uma solução de curto prazo para que eles tenham um lugar para morar, empregos para fazer e renda familiar como contrapartida.”
Mas se os jovens não estão no mercado de trabalho adquirindo habilidades e procurando melhores oportunidades, eles podem ficar sem emprego, seja porque estão desempregados há muito tempo, ou não conseguiram se manter no topo da aquisição de habilidades e treinamento, ressalta o pesquisador.
“Essa é uma condição em que os deslocamentos de curta duração, por exemplo, no mercado de trabalho, se tornam permanentes”, afirmou.