Por Rômulo Lins, 1º Vice-Presidente da ASMP.

 

No alvoroço das discussões que antecederam o recesso legislativo no Congresso Nacional, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 45, apresentada em 03 de dezembro de 2024, irrompeu como um furacão em mar calmo, agitando as águas da política. Introduzida às pressas no início de dezembro, a medida prometia encerrar os famigerados “supersalários” das carreiras jurídicas. Mas, como é comum na política brasileira, algo nunca é o que parece. O diabo está nos detalhes.

 

A publicação da Emenda Constitucional nº 135, no dia 20 de dezembro, foi resultado de um balaio de PECs aglutinativas. Uma dessas aglutinações – que apensou a PEC 45/2024 à PEC 31/2007 – findou por incendiar os debates. Suprimir direitos e vantagens de servidores públicos sem sequer passar pelo crivo das Comissões de Constituição e Justiça? “Havia algo de podre no reino da Dinamarca.”, disse Hamlet a respeito do contexto da Dinamarca numa metáfora poderosa sobre corrupção, hipocrisia e decadência moral. A conclusão de Hamlet permanece atual e nos convida a questionar as aparências, a não aceitar as coisas como são à primeira vista. A promessa de ajustes fiscais mascarava, na verdade, um ataque direto à estabilidade e à dignidade das carreiras de Estado, trazendo à reboque efeitos deletérios para a prestação de serviços públicos em todo o país.

 

Foi nesse cenário de incertezas e desconfianças que a Associação Sergipana do Ministério Público (ASMP) – seguindo as diretivas da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (CONAMP) – ergueu sua voz nos gabinetes dos Deputados Federais ao longo de duas semanas de intensas visitas. Liderada pelo Presidente e pelo 1º Vice-Presidente, a ASMP apontou os riscos da aprovação da PEC 45 na sua redação original e deu um exemplo de articulação institucional em defesa da efetiva prestação do serviço público.

 

A bancada sergipana na Câmara dos Deputados entendeu o que muitos ignoravam: os subsídios e salários dos servidores do Judiciário e do Ministério Público são garantidos por um orçamento próprio repassado através de duodécimo. E este não será repassado a menor porque se pretende excluir as verbas indenizatórias dos subsídios desses membros. Ignorar isso é o mesmo que desconhecer conceitos comezinhos da independência entre os poderes e do orçamento público, além de fazer tábula rasa dos direitos arduamente conquistados por abnegados agentes políticos.

 

Ao longo de intensos debates, o discurso simplista da economia imediata para o governo foi desconstruído com argumentos robustos e dados claros. Enquanto os defensores da PEC prometiam um alívio financeiro para os cofres públicos, esqueciam que a aposentadoria em massa de servidores poderia causar um colapso ainda maior. A ironia era gritante: o ajuste, ao invés de reduzir despesas, acabaria por aumentá-las exponencialmente.

 

Conforme destacado pela Frente Associativa da Magistratura e do Ministério Público (FRENTAS), o impacto direto da PEC seria devastador: mais de 20% dos membros do Ministério Público e da Magistratura, já elegíveis para aposentadoria, antecipariam sua saída, gerando custos adicionais que contradizem a prometida redução de despesas. Além do aumento do passivo atuarial com a sobrecarga do sistema previdenciário, haveria também prejuízo à arrecadação tributária devido à diminuição da atuação fiscal em razão da evasão de profissionais. Repise-se, os efeitos da indigitada PEC 45 atingiriam todo o serviço público, indiscriminadamente, o que incluiria a administração tributária. 

 

No entanto, foi a atuação coordenada da ASMP, balizada pela CONAMP, que garantiu um final mais ponderado para esse embate. Graças à pressão organizada e ao diálogo constante, a PEC 45 foi reformulada para que suas alterações fossem implementadas por meio de uma Lei Ordinária, submetida a um debate institucional sério e transparente, impedindo assim a incidência de efeitos imediatos da PEC. Uma pequena, mas significativa vitória em tempos de tanta turbulência.

 

E assim, enquanto o país se preparava para o recesso de fim de ano, restava a reflexão: a quem interessa enfraquecer o serviço público? Um Judiciário e um Ministério Público enfraquecidos jamais beneficiarão a sociedade. No subterrâneo dos interesses escusos, talvez resida a resposta. Mas, naquele dezembro de 2024, ao menos um pequeno facho de luz se fez presente, mostrando que a luta pela justiça nunca é em vão.

 

E a luta continuará em 2025, pois o líder do governo no Congresso, Randolfo Rodrigues, asseverou que o governo retomará a discussão em fevereiro. A ASMP e CONAMP atuarão com firmeza e responsabilidade para elevar o sarrafo da discussão. Não nos opomos a ajustes fiscais, é bom que se diga. No entanto, defendemos que esses ajustes não ocorram de maneira açodada, “a toque de caixa e repique de sino”, deixando ao funcionalismo público um cenário de terra arrasada, na qual não sobrará outra opção senão a aposentadoria em massa, o que agravará ainda mais o já combalido erário e, em última análise, o combate à corrupção endêmica que assola nosso país, haja vista a dificuldade de reposição dos quadros oriundos do êxodo de profissionais para a inatividade.

 

Deixo aqui uma respeitosa indagação: para onde queremos ir desmantelando o serviço público?

Foto Asmp