Juristas repudiam voto secreto no STF, após Lula sugerir sigilo sobre decisões dos ministros
Após o presidente Lula defender que ‘a sociedade não tem que saber como é que vota o ministro da Suprema Corte’ – sugerindo que o teor das decisões seja mantido sob sigilo para evitar ‘animosidades’ -, advogados e juristas avaliam que ‘esse não é o melhor caminho’. Para eles, a recomendação do petista colide com princípios constitucionais. Consideram que ‘votos secretos’ de juízes não se enquadram na previsão da publicidade e transparência.
A superexposição de magistrados, especialmente dos ministros do Supremo Tribunal Federal, até é alvo de ressalvas dos advogados. Mas eles entendem que a fala de Lula foi ‘profundamente infeliz’.
Depois que o ministro Cristiano Zanin – seu amigo e advogado pessoal durante muitos anos, inclusive na Operação Lava Jato – foi criticado por manifestações em julgamentos no STF, o presidente disse. “A Suprema Corte decide, a gente cumpre, é assim que é. Eu, aliás, se eu pudesse dar um conselho, [seria] o seguinte: a sociedade não tem que saber como é que vota o ministro da Suprema Corte. Acho que o cara tem que votar e ninguém precisa saber, votou a maioria, cinco a quatro, seis a quatro, três a dois, não precisa ninguém saber.”
O advogado José Miguel Garcia Medina, doutor em Direito pela PUC-São Paulo, é taxativo. “Votos secretos não parecem compatíveis com a ordem constitucional brasileira. Os problemas são outros: excessiva exposição dos ministros em julgamentos televisionados, ausência de cooperação para que se alcancem resultados que expressem a opinião da Corte, e não a opinião pessoal de cada um deles, criando um ambiente de polarização.”
Medina pondera que ‘o apelo a argumentos morais parece ser mais decisivo para que exista a animosidade a que se referiu o presidente’.
Aílton Soares de Oliveira, advogado constitucionalista, é favorável a julgamentos de tese e não processos com ‘capa’. “É uma Corte de uniformização. Deveria resolver o que efetivamente é constitucional ou não. A afirmação de que a sociedade ‘não precisa saber como vota um ministro do STF’ não traz o espírito da Constituição, que é justamente o oposto da publicidade dos atos judiciais, com algumas exceções, mas a regra é a publicidade.”
IMPACTO SOCIAL
Aílton de Oliveira acrescenta que as decisões do STF trazem impactos na vida de toda sociedade. “Os pontos de vista de cada ministro trazem consigo suas formações intelectuais e morais, e esse é o próprio conceito de colegialidade. Observo que nenhum dos ministros do STF tem qualquer receio de animosidade social como falou o presidente. Para isso, há segurança e quem assume um cargo de tal relevância, e com a litigiosidade crescente no Brasil, não pode ter esse tipo de receio”, completa.
“Uma fala profundamente infeliz do presidente”, ele diz. “Diminui até a capacidade de gestão emocional dos ministros que são suficientemente capazes de gerir suas vidas e seus eventuais conflitos sociais. O STF é parte de um poder independente e nenhum presidente pode ter ministro do STF para chamar de seu”, afirma.
Para Lenio Streck, pós-doutor em Direito, a sugestão de Lula deve ser interpretada num contexto. “Ele não defendeu votações secretas. Ele se referiu à divulgação e à publicização dos julgamentos. Os julgamentos hoje possuem máxima divulgação, transmissão pela TV, enfim. É o Tribunal mais aberto do mundo. Então, face às respostas que isto provoca, por vezes os ministros da Suprema Corte são hostilizados”, observa.
Segundo Lênio, o que o presidente está propondo é um debate sobre o modo como a publicização das sessões e dos votos pode ser rearranjado. “Não me parece que os votos tenham que ser secretos, que tenham que se ‘fechar em copas’ para decidir. Eu particularmente sou a favor da ampla publicidade, da continuidade da TV Justiça. A única coisa que sugiro é uma limitação de tempo de cada ministro nos seus votos. Assim, não vejo maiores problemas na fala do presidente. É apenas alguém que está preocupado com o modo como hoje a opinião pública se manifesta com relação aos ministros quando eles colocam de forma transparente suas posições, inclusive com transmissão pela TV.”
Pedro Serrano, professor de Direito Constitucional na PUC-SP, também reconhece o excesso de exposição dos ministros do Supremo. “Não há exemplo no mundo de tribunais dessa natureza, que veiculem julgamentos por televisão, principalmente em casos penais. Nos Estados Unidos, o julgamento penal é feito com absoluta discrição. Nem a imprensa pode acompanhar.”
Serrano acredita que o modelo americano de votação secreta pode proteger os ministros, mas a Corte em si, não. “Mas acho muito positivo debater o excesso de exposição do Judiciário. É preciso realmente mecanismos de autocontenção nessa exposição. Eu diria que, por exemplo, televisionar julgamentos penais é um equívoco. Talvez tenha sentido dar mais transparência para julgamentos de ações constitucionais, onde são debatidas grandes questões políticas, morais, que dizem respeito à vida social”.
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