O governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) emitiu um alerta aos ministérios sobre o risco de apagão nas despesas de custeio e investimentos em 2027, caso não haja mudança na regra atual para pagamento de dívidas judiciais, os chamados precatórios.

Sem medidas para conter ou reduzir o passivo nos próximos anos, o Executivo precisará pagar de uma única vez os débitos acumulados ao longo de cinco anos. Nesse caso, os chamados gastos discricionários (não obrigatórios) ficariam totalmente zerados, deixando a Esplanada sem dinheiro para tocar o dia a dia e custear despesas básicas, como conta de luz e contratos com empresas terceirizadas.

A situação foi exposta em um ofício enviado aos ministérios pela Secretaria de Planejamento (Seplan) —que integra o Ministério do Planejamento e Orçamento, comandado por Simone Tebet. O órgão é responsável pela elaboração do PPA (Plano Plurianual), que traça um panorama das políticas públicas para o médio prazo (2024 a 2027).

A Seplan elaborou dois cenários: um com a regra atual, que mostra as discricionárias zeradas por causa dos precatórios, e outro com uma regra alternativa, que desconsidera o valor acumulado das dívidas judiciais.

No cenário alternativo, o governo teria à disposição R$ 195,65 bilhões para gastos discricionários. O valor ilustra o tamanho do impacto desse esqueleto sobre o Orçamento.

Se a regra atual for mantida, as pastas mais prejudicadas seriam Saúde (R$ 44,7 bilhões), Educação (R$ 33,3 bilhões) e Cidades (R$ 22,3 bilhões), que possuem as maiores dotações. Todas ficariam sem nem um centavo sequer para gastos discricionários, caso não haja nenhuma solução para os precatórios.

Em julho, um documento do Tesouro já havia alertado para o risco de esse passivo alcançar a marca de R$ 200 bilhões a serem pagos em 2027 e adotou como premissa o pagamento dos valores fora dos limites do novo arcabouço fiscal.

“É um mapeamento de risco. Se [o governo] não explicita isso, como vai planejar a solução para o problema?”, diz à Folha a secretária de Planejamento, Leany Lemos. “Temos o diagnóstico de que isso vai gerar uma pressão orçamentária lá na frente, daqui a quatro anos, e que vai ter de ser resolvida. Temos tempo hábil para isso.”

Segundo ela, as simulações não entram no mérito de qual mudança deve ser feita. “Se é revisão, se é outra legislação, isso é algo que o núcleo duro do governo vai decidir e encaminhar ao Congresso em tempo hábil”, afirma.

O adiamento das dívidas judiciais foi aprovado em 2021 por meio da PEC (proposta de emenda à Constituição) dos Precatórios.

A saída foi costurada pelo governo Jair Bolsonaro (PL) para conseguir honrar benefícios previdenciários, irrigar emendas parlamentares e ampliar os gastos sociais em 2022, ano eleitoral, sem esbarrar nas travas do teto de gastos —regra fiscal que limita o crescimento das despesas à inflação e que foi alterada sucessivas vezes na administração passada.

Uma das medidas centrais da proposta era o parcelamento dos precatórios, viabilizado por meio da criação de um limite anual para o pagamento desses débitos, válido até 2026. O valor excedente seria postergado para o ano seguinte, criando uma espécie de fila desses títulos.

À época da proposta, o então ministro Paulo Guedes (Economia) disse que o governo precisava se defender de um “meteoro” de R$ 89 bilhões em precatórios previstos para 2022, o que ameaçava a continuidade de políticas públicas. A fatura dessas dívidas quase dobrou em relação a 2021.

Já especialistas de fora do governo foram taxativos ao classificar a iniciativa de “PEC do Calote”, dado que os valores devidos são incontroversos, ou seja, ao governo federal caberia apenas pagá-los conforme determinado pelas autoridades judiciais.

Só em 2022, primeiro ano de vigência da regra, o governo adiou R$ 21,9 bilhões em dívidas judiciais não pagas. As estimativas de diferentes órgãos do governo indicam o risco de isso se tornar uma bola de neve.

Em 2024, uma eventual necessidade de quitar à vista o passivo de precatórios teria impacto de R$ 106,5 bilhões adicionais no Orçamento, segundo um ofício elaborado pela SOF (Secretaria de Orçamento Federal) e obtido pela Folha. O documento informava à AGU (Advocacia-Geral da União) os efeitos de uma eventual declaração de inconstitucionalidade da regra pelo STF (Supremo Tribunal Federal).

A aposta do governo para evitar a bola de neve era o chamado encontro de contas, no qual os credores da União poderiam usar os precatórios como uma espécie de moeda de troca para abater dívidas tributárias ou fazer lances em leilões de concessão ou privatização.

As modalidades de acordo foram previstas na emenda constitucional, mas não decolaram em meio à insegurança jurídica alegada pelo governo Lula para aceitar esses créditos.

O uso dos precatórios em concessões foi suspenso pela AGU, que revogou portaria editada no governo Bolsonaro e recomendou aos órgãos da administração pública federal aguardar a pacificação do tema. Até hoje, o instrumento segue sem regulamentação.

“O discurso de que estão tentando reduzir o passivo está indo contra as ações, pois eles revogaram a regulamentação que já existia”, critica o advogado Eduardo Gouvêa, presidente da Comissão de Precatórios da OAB-RJ e ex-presidente da comissão nacional da Ordem sobre o tema.

Segundo ele, quanto mais o governo estimular as negociações, mais ele vai deixar de pagar de precatório no futuro. Embora haja um impacto imediato sobre as receitas, que deixam de ingressar nos cofres públicos, o saldo é positivo, avalia Gouvêa, pois o governo tem mais dificuldade de cobrar dívidas do que o credor tem de recebê-las.

“O maior beneficiário do encontro de contas é o governo. Fica a sensação de que [o Executivo] só olha a questão sob o ponto de vista imediato, pois vai perder essa arrecadação. Mas vai ganhar na outra ponta”, afirma.

Gouvêa diz ainda que a emenda constitucional assegura o direito de usar esses créditos para abater dívidas, e a regulamentação deve apenas ditar como se dá o processo. “Quando [o governo] cria esse embaraço, está na verdade usando um subterfúgio para tentar complicar o processo e intimidar o empresário que quer usar essa solução”, critica.

Em 15 de março, a AGU deu um prazo de até 120 dias para editar nova regulamentação. Passados 145 dias, a portaria ainda não foi publicada. Em junho, o órgão colocou em consulta pública uma proposta de minuta, mas o processo ainda não foi concluído.

Procurada pela reportagem, a AGU disse que está em “tratativas finais” com o Ministério da Fazenda para editar o novo texto, mas não deu prazo para que isso ocorra. “A norma está sendo editada para dar mais transparência e segurança jurídica ao procedimento de utilização dos precatórios”, disse.

 

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