A necessidade de turbinar as receitas para fechar o Orçamento de 2024 com déficit zero, como promete o ministro Fernando Haddad (Fazenda), impõe um desafio ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) num momento em que sua base política no Congresso ainda está em processo de consolidação.

A retomada de vinculações orçamentárias, que vão ampliar despesas com saúde e educação, e a nova política de valorização do salário mínimo são complicadores adicionais na administração das demandas por gastos na Esplanada dos Ministérios.

A peça orçamentária precisa ser encaminhada até 31 de agosto ao Congresso Nacional. Será a primeira formulada desde o início pela gestão petista —o Orçamento de 2023 foi proposto inicialmente pelo governo Jair Bolsonaro (PL).

A equipe econômica de Lula tem um trunfo neste momento, que é a possibilidade de incluir na proposta de Orçamento receitas esperadas com medidas em tramitação. É por isso que o Ministério da Fazenda trabalha para colocar todos os seus projetos na rua até 31 de agosto. Conseguir aprová-los, porém, está longe de ser uma garantia.

Interlocutores do governo e do Congresso avaliam que as chances de sucesso de Haddad estão ligadas ao desfecho das negociações de Lula para acomodar siglas do centrão no primeiro escalão do governo.

Para tentar criar um ambiente mais favorável, especialmente na Câmara dos Deputados, comandada por Arthur Lira (PP-AL), o petista negocia uma reforma ministerial que pode selar o embarque de partidos como PP e Republicanos. Mas a demora em definir os espaços tem irritado aliados próximos de Lira e também preocupa parte do mercado.

Para aprovar medidas para arrecadar mais e zerar o déficit, o Ministério da Fazenda depende da aprovação de uma série de medidas pelo Congresso. Algumas já estão em tramitação, como a retomada do voto de desempate no Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais), a regulamentação de apostas esportivas e a tributação de rendimentos auferidos por brasileiros no exterior (nas chamadas offshores).

Outras ainda serão enviadas, como mudanças no JCP (Juro sobre Capital Próprio, uma forma de remunerar acionistas de empresas pagando menos tributos) e o projeto de lei para tributar fundos exclusivos de investimento, voltados à alta renda (chamados de super-ricos), que hoje só pagam IR (Imposto de Renda) no resgate, sem recolhimento semestral como os demais fundos.

Aumentos de cobrança no IR precisam respeitar a chamada anualidade. Isso significa aprovar as mudanças ainda neste ano para garantir o ingresso dos recursos nos cofres do governo já em 2024. Se a votação levar mais tempo, qualquer arrecadação só virá em 2025.

Lira já disse considerar arriscado colocar a taxação dos fundos em discussão antes da conclusão da Reforma Tributária no Senado. Articuladores políticos do Palácio do Planalto entenderam o recado e pretendem reforçar a cautela na condução das propostas fiscais mais polêmicas, uma vez que Lira detém o controle do plenário da Câmara e abraçou a Reforma Tributária como um legado econômico de sua gestão.

O PT já tentou propor mudanças nos Juros sobre Capital Próprio, sem sucesso. Ainda no governo Dilma Rousseff (PT), a então senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) inseriu em uma MP (medida provisória) o fim da dedução dos valores pagos em JCP da base de cálculo de outros tributos, principal benefício dessa modalidade de remuneração. O trecho enfrentou forte resistência no Congresso, e Gleisi precisou recuar da proposta.

Parlamentares envolvidos na discussão do Orçamento de 2024 afirmam, sob reserva, que dificilmente a equipe econômica de Lula conseguirá aprovar todo o pacote de receitas até dezembro, quando o projeto do Orçamento deve ser votado pelo Congresso. Há uma avaliação de que o Legislativo já deu um valor considerável de novas receitas a Haddad.

Relator do arcabouço fiscal na Câmara, o deputado Cláudio Cajado (PP-BA) diz não ter clareza sobre as reais chances de avanço dessa agenda do governo. “Não sei [se se aprovam todas as medidas]. A minha opinião é: o que for elevação de tributo eu não voto. Agora, se for elevar carga tributária de quem não paga, é legítimo”, diz.

Ele evita, porém, indicar uma posição definitiva sobre a tributação dos fundos exclusivos. “Lá na frente [no resgate] vai ter de pagar, antecipar isso é uma coisa a ser discutida”, afirma.

O Ministério da Fazenda sabe que seu plano é ambicioso, mas os temas não serão conduzidos como uma questão de “vida ou morte”. A preocupação é não emitir a mensagem de que o governo está jogando para o Congresso o peso do ajuste nas contas. Por isso, há espaço para negociar e também “cartas na manga” para tentar repor eventuais frustrações.

O mercado demonstra ceticismo quanto à capacidade do governo de alcançar esse objetivo, mesmo que o novo arcabouço fiscal tenha flexibilizado a meta de resultado primário com bandas de tolerância —na prática, o governo cumpre a meta mesmo com um déficit de até 0,25% do PIB (Produto Interno Bruto) no ano que vem, cerca de R$ 28 bilhões.

A pesquisa Prisma Fiscal, feita pelo Ministério da Fazenda com dados do mercado, mostra que os analistas esperam, em média, um rombo bem maior, de R$ 81,9 bilhões em 2024.

O economista da XP Investimentos Tiago Sbardelotto prevê que, entre ações já implementadas e projetos a serem enviados, o governo deve conseguir alcançar R$ 162 bilhões em novas receitas —um valor significativo, mas abaixo dos R$ 267 bilhões estimados pelo Executivo.

O economista Gabriel Leal de Barros, sócio e economista-chefe da Ryo Asset, avalia que, além da frustração no pacote de medidas, a desaceleração da economia em 2024 e o recuo no preço de commodities devem reduzir a arrecadação federal.

“Mesmo que tenha banda para o primário, vai ser difícil”, afirma Barros. Para ele, há duas opções. A primeira é Haddad propor uma mudança na meta de 2024. “Ele vai compartilhar esse ônus com o Congresso. Vai ter narrativa política, dizer que o Congresso é soberano e não aprovou, por isso vai ter de rever a meta”, diz.

A outra opção é cortar despesas. Neste cenário, a avaliação é que o governo precisará de respaldo político do centrão, pois o bloqueio pode alcançar áreas como saúde e educação. “Contingenciar sem ter o centrão como sócio para sustentar essa má notícia pode dar problema para um governo que, até agora, não se deparou com nenhuma restrição”, afirma.

Esse não é um cenário tão improvável. O Tesouro previu, em relatório divulgado em julho, que o governo precisaria contingenciar R$ 56,5 bilhões em despesas discricionárias (que incluem custeio e investimentos) para conseguir acomodar todas as vinculações e cumprir o objetivo de zerar o déficit —isso mesmo com uma parcela de receitas adicionais para fechar as contas.

O gerenciamento dessas despesas também envolve desafios adicionais. Ao revogar o teto de gastos e aprovar o novo arcabouço fiscal, o Congresso dará o sinal verde para a retomada de vinculações constitucionais atreladas às receitas.

Com isso, os pisos de saúde e educação devem subir entre R$ 30 bilhões e R$ 38 bilhões, segundo estimativas do mercado. Sbardelotto prevê que a elevação será de R$ 32,1 bilhões em saúde e R$ 5,9 bilhões em educação.

Além disso, o arcabouço cria um piso para investimentos. O governo também retomou a política de valorização do salário mínimo, com reajustes acima da inflação. A nova regra pode ocupar R$ 18,1 bilhões do espaço fiscal no ano que vem.

 

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

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