A Câmara dos Deputados aprovou nesta terça-feira (5) o projeto de lei com as regras para o programa Desenrola Brasil (de renegociação de dívidas), que prevê um limite para os juros do rotativo do cartão de crédito caso instituições financeiras não apresentem uma proposta de taxa menor em 90 dias.

A matéria foi aprovada de forma simbólica (sem contagem nominal) após o Novo ser o único partido a orientar a bancada a votar contra o texto. Na segunda-feira (4), os deputados já haviam aprovado a urgência do tema —foram 360 votos a favor e 18 contra. Agora, o projeto segue para apreciação do Senado.

Ponto central do impasse entre bancos e representantes das maquininhas de cartões, o parcelamento de compras sem juros não foi tema de discussão.

O relatório do deputado Alencar Santana (PT-SP) dá 90 dias para as próprias instituições do sistema financeiro definirem um patamar de juros para o rotativo e para o parcelamento da fatura do cartão e, dentro desse prazo, receberem aprovação do plano pelo CMN (Conselho Monetário Nacional). Se não conseguirem o aval nesse período, será aplicável o teto que limita a dívida ao dobro do montante original.

A proposta usa o mesmo parâmetro do modelo inglês, no qual a cobrança de juros não pode exceder o equivalente a 100% do montante original da dívida do cliente. Na prática, o valor a ser quitado pode ser no máximo duplicado.

A taxa média de juros cobrada pelos bancos de pessoas físicas no rotativo do cartão de crédito subiu em julho para 445,7% ao ano, segundo os últimos dados divulgados pelo Banco Central.

Conforme relatório substitutivo proposto por Santana, essa decisão de mercado caberá não apenas aos bancos emissores de cartões de crédito, mas também a fintechs e varejistas, que são emissores de cartões pré-pagos.

Ele também fez uma alteração redacional no texto para deixar explícito que o crédito parcelado é a modalidade que se aplica sobre o financiamento da dívida do rotativo, no qual o saldo em atraso é dividido ao longo das próximas faturas do cartão. A ideia é dissociar essa linha de crédito do parcelamento de compras sem juros, modalidade apontada por bancos como causa dos altos juros do rotativo.

“De nossa parte, não trataremos e não mexeremos nisso [compras parceladas pelo cartão] de forma alguma. Se vier no plenário, é outra história. Mas acho também que não. E estamos fazendo algumas adaptações”, disse Santana à reportagem mais cedo.

Outra mudança estabelece que o CMN terá de revisar anualmente o limite da taxa de juros que será cobrada no rotativo do cartão de crédito.

“Os emissores de cartão de crédito e de outros instrumentos de pagamento pós-pagos utilizados em arranjos abertos ou fechados, como medida de autorregulação, devem submeter à aprovação do Conselho Monetário Nacional, por intermédio do Banco Central do Brasil, de forma fundamentada e com periodicidade anual, limites para as taxas de juros e encargos financeiros cobrados no crédito rotativo e no parcelamento de saldo devedor das faturas de cartões de crédito e de outros instrumentos de pagamento pós-pagos”, diz o relatório.

Autor do texto, o deputado Elmar Nascimento (União Brasil-BA), líder da legenda na Câmara, afirmou que esse é um dos projetos “mais importantes em tramitação” na Casa neste ano e que o relatório de Santana é “o melhor que poderia se fazer, tudo negociado”.

“É preciso que cada vez mais haja uma supervisão do Banco Central e do Ministério da Fazenda no sentido de que o nosso país caminhe ao encontro de juros permissíveis para que a gente possa estabelecer o caminho de um crescimento sustentável”, afirmou.

O texto também disciplina a portabilidade de crédito, que permite a transferência de uma dívida de uma instituição financeira para outra que ofereça melhores condições de pagamento.

No Brasil, a portabilidade é aplicável apenas para outras modalidades, não para o rotativo. Essa medida é vista como uma forma de estimular a competição no sistema financeiro brasileiro, ajudando a reduzir os juros na linha mais cara do mercado.

“Os consumidores têm direito à portabilidade do saldo devedor da fatura de cartão de crédito e de demais instrumentos de pagamento pós-pagos e de outras dívidas relacionadas, até mesmo aquelas já parceladas, para qualquer instituição financeira ou instituição autorizada a funcionar pelo Banco Central do Brasil”, diz o relatório.

O deputado Gilson Marques (Novo-SC) criticou o texto, afirmando que ele tem um “fim ruim para um diagnóstico bom”.

“A intenção é combater o superendividamento, mas a solução encontrada é ruim para o sistema. O que a gente precisa é que nós tenhamos um sistema em que a gente saiba exatamente quem é o devedor e quem é o credor. Se você facilita a vida do devedor demasiadamente, você acaba com o sistema de crédito. Não dá para acabar com o sistema de crédito desta forma”, disse.

Quanto ao conteúdo do Desenrola, não houve mudanças significativas na formatação do programa de renegociação de dívidas. O texto apenas estabeleceu a criação de um lote específico para contemplar os micro e pequenos empreendedores enquanto credores no leilão de descontos.

Estão reservados R$ 8 bilhões do FGO (Fundo de Garantia de Operações) para servir de garantia nas operações de crédito, cujos recursos serão usados para pagar as dívidas com desconto. Em caso de inadimplência, o fundo cobre o prejuízo das instituições.

Os credores devem se cadastrar na plataforma e atualizar os valores devidos pelos clientes até 9 de setembro para que possam participar da próxima etapa do programa, prevista para ter início no fim de setembro.

Ela será voltada para renegociação de dívidas de pessoas que ganham até dois salários mínimos (R$ 2.640) ou que estejam inscritas no CadÚnico (Cadastro Único) do governo federal e que devam até R$ 5.000.

Os credores que oferecerem os maiores descontos serão os vencedores do leilão e poderão disponibilizar às pessoas que se enquadram na faixa 1 o pagamento parcelado do valor devido em até 60 meses, com taxa de juros de, no máximo, 1,99% ao mês. Poderão ser renegociadas as dívidas negativadas de 2019 até 31 de dezembro de 2022.

 

Foto: Zeca Ribeiro/Agência Câmara

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