Ala do governo dá até fim do ano para Haddad garantir déficit zero em 2024
Uma ala do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) espera que o ministro Fernando Haddad (Fazenda) consiga ver aprovado no Congresso até o fim do ano o cardápio de medidas para elevar a arrecadação e, assim, manter a meta de zerar o déficit nas contas públicas já em 2024.
Integrantes do Executivo querem iniciar o próximo exercício sem risco de contingenciamentos bilionários em ano eleitoral, quando haverá disputa pelas prefeituras.
Se as medidas não forem aprovadas, ou se as propostas forem muito desidratadas pelo Congresso, integrantes do Palácio do Planalto veem como inevitável rediscutir o objetivo traçado para a política fiscal.
O alerta sobre as dificuldades de cumprir a meta fiscal de 2024 já foi feito em reuniões internas por técnicos e até pela ministra Simone Tebet (Planejamento e Orçamento), como mostrou a Folha de S.Paulo.
O tema também está no radar de congressistas aliados do governo. A presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), defende mudança.
"Eu sou a favor [de alterar a meta fiscal], até em razão de possível frustração de receita, inclusive por posições do próprio Congresso", disse. "O Congresso pode fazer isso [mudar até o fim do ano]."
A proposta de Orçamento de 2024 será enviada nesta quinta-feira (31) com o déficit zero, ancorada em uma série de propostas tributárias para reequilibrar as contas. A viabilidade política dessas medidas, porém, ainda é dúvida.
Em meio à incerteza, técnicos veem o fim do ano como uma espécie de data-limite, pois boa parte das iniciativas defendidas pela Fazenda envolve o Imposto de Renda.
Aumentos no IR precisam ser aprovados no ano anterior ao de sua vigência, respeitando a regra da anterioridade anual. Isso significa que, se a votação não for concluída na Câmara e no Senado nos próximos quatro meses, quaisquer efeitos positivos sobre o caixa da União só serão observados em 2025.
Pelo menos três medidas envolvem mudanças no IR: a taxação dos fundos exclusivos de investimento (mantidos por super-ricos), a tributação de recursos offshore (situados principalmente em paraísos fiscais) e a mudança na dedução do Juro sobre Capital Próprio (uma forma de remunerar acionistas) da base de cálculo do IR das empresas.
Lula já enviou o projeto de lei das offshores e a MP (medida provisória) dos fundos exclusivos. Juntas, as duas medidas devem render R$ 20,3 bilhões em recursos no ano que vem, segundo estimativas do governo.
Já a mudança no JCP pode elevar a arrecadação em até R$ 6 bilhões em 2024, a depender do formato adotado.
Na avaliação de técnicos ouvidos pela reportagem, a aprovação das medidas enfrentará obstáculos no Congresso, mas não faz sentido se antecipar ao cenário de não aprovação. Por isso, é preciso acompanhar a evolução das propostas no Legislativo.
Caso as iniciativas elaboradas por Haddad demorem a avançar, o entendimento é de que a rediscussão da meta será feita, para viabilizar a aprovação de um Orçamento já ajustado a essa realidade.
No desenho do novo arcabouço fiscal, o descumprimento da meta não gera punição ao gestor, desde que ele tenha adotado providências para tentar evitar o estouro, como contingenciar despesas.
Mas bloqueios de verbas em ano de eleições municipais seriam um complicador político para Lula, que prometeu a retomada de investimentos, relançou o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) e espera poder contar com os recursos para tocar ações estratégicas.
Como mostrou a Folha de S.Paulo, Tebet aproveitou uma reunião recente com a presença de Haddad e dos ministros Rui Costa (Casa Civil) e Esther Dweck (Gestão) para enfatizar os obstáculos de se conseguir a aprovação de tantas medidas para ampliar a arrecadação.
Na ocasião, a ministra do Planejamento argumentou que uma meta de déficit de 0,5% do PIB (Produto Interno Bruto) seria mais crível. Com a margem de tolerância de 0,25 ponto percentual criada pelo novo arcabouço, o governo poderia registrar um resultado negativo de até 0,75% do PIB.
Segundo os relatos, no entanto, Haddad se manteve irredutível. Além disso, ele ponderou que o Orçamento só é votado em dezembro, dando tempo para administrar eventual alteração, caso ela seja de fato necessária.
Tebet, que evita se opor publicamente a Haddad, optou então por ficar ao lado do ministro.
Na tarde desta terça-feira (29), Haddad, Tebet, Dweck e Costa tiveram uma reunião com Lula no Palácio do Planalto para discutir o Orçamento de 2024. Segundo relatos de pessoas presentes, foi um encontro "de praxe". Não houve discussão sobre a meta.
Antes da reunião na Presidência, o ministro da Fazenda reiterou seu compromisso com o déficit zero, a despeito das pressões por mudança.
"Vai equilibrado, nem teria tempo de mudar o Orçamento, que está pronto há mais de 15 dias. No dia 31 [quinta-feira], a gente apresenta os parâmetros, os dados e as medidas fiscais já fechados com o Planejamento", disse. "Equilibrado significa que as receitas primárias são iguais às despesas primárias."
No Congresso, porém, deputados aliados do governo já articulam mudar a meta para um déficit de 0,5% do PIB.
O deputado Danilo Forte (União Brasil-CE), relator do PLDO (projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias) de 2024, disse à Folha de S.Paulo que pediu uma reunião com Haddad para saber "como ficará a equação".
"Ninguém pode fugir dos fatos, a realidade nos impõe discernimento. Do que adianta querer construir fantasia, ficção, se a realidade dos fatos contradiz tudo isso?", disse Forte.
O deputado vê um prazo até mais curto para o governo rever a meta fiscal do ano que vem. "Na virada de setembro para outubro, vendo que não tem reação da economia e que nós estamos patinando sem sair do canto, o governo vai ser obrigado a fazer essa revisão [da meta fiscal]", afirmou.
Foto: José Cruz / Agência Brasil